Leonardo de Souza Miranda
(Professor, mestrando da Faculdade de História da UFMG, com o tema “A Democracia da Gravata Lavada: discurso republicano em Teófilo Otoni”, natural do Serro)
As diversas sociedades indígenas - maculi, malali, machacali, naknenuk, aranau, bakuê, bituruna, jiporok - que habitavam originalmente o vale do Mucuri, receberam dos ádvenas, que rondavam a região há algum tempo, a alcunha de botocudos. Constituíam uma das questões peremptórias para os intentos de Otoni, uma vez que: já viviam na região; possuíam uma tradição guerreira; aos botocudos era atribuída a realização de rituais antropofágicos; e, obviamente, do ponto de vista cultural estavam inseridos em outro modus vivendi.
Qual a estratégia usada por Pogirun [nome que os indígenas davam a Otoni] para com os botocudos ?
Antes de mais nada, as tradições a que vinculava-se, no caso de seu contato com os nativos, era a experiência norte - americana, em especial a ocupação da Pensilvânia (OTTONI, 2002: 63). Otoni recusava a pedagogia da violência, nos seus dizeres, da "pólvora e da bala". Tecia críticas à tradição, que remontava às primeiras bandeiras em Minas, de escravização dos indígenas e tráfico de kurucas [crianças] sobre os quais afirmava: "este maldito tráfico dos selvagens, mais infame que o dos pretos da África, tem sido a causa de calamidades sem número". Sobretudo, desdenhava a estratégia de "matar aldeia", "frase técnica na gíria da caçada dos selvagens que consistia em cercar a aldeia e assaltá-la de madrugada, apoderando-se dos arcos e flechas e procedendo, em seguida, à matança". Enfim, desaprovava "os instrumentos civilizadores de que se servem os moradores cristãos, o chicote, palmatória e até o tronco".
Pautando-se na "convicção de que os selvagens nas suas agressões contra os cristãos eram quase sempre incitados por violências e provocações destes", o Pogirum desenvolveu um novo método de catequese. A nova catequese colocada em prática baseava-se em um modo de agir convencionalmente virtuoso, calcado nos valores cristãos e no desejo de civilizar, no diálogo, na prática de doar presentes, e na esperança de conquistar a amizade e confiança das tribos botocudas.
"Em conseqüência acreditava que um sistema de generosidade, moderação e brandura não podia deixar de captar-lhes a benevolência. A principal para a execução, ou ao menos ensaio deste sistema, estava em chamar à pratica e convivência os filhos da selva, e em convencê-los de que havia com efeito um novo processo de catequese que não empregava a pólvora e bala, nem tinha por fim roubar-lhes os filhos. Mandando organizar em Minas Novas uma bandeira [...] dei instruções claras para que a minha gente não fizesse uso de espingardas senão para defender a vida, e que procurando todos os meios de conferência com os selvagens, se esforçassem por convencê-los com presentes e discursos, que os portugueses ( como eles chamavam todos os cristãos ) iam mudar de vida, e que todos estávamos efetivamente mansos".
Havia na argumentação "otoniana", um paralelo implícito entre a brutalidade, barbaridade e atrocidades cometidas pelos cristãos e civilizadores em relação aos índios, e a tirania, violência, arbitrariedade, obscurantismo e ausência de leis da monarquia do Império brasileiro (DUARTE, 2002:31-32). "Onde quer que a violência domine de forma absoluta [...] não apenas a lei [...] mas tudo e todos devem permanecer em silêncio. É em virtude desse silêncio que a violência é um fenômeno marginal no campo político; pois o homem na medida em que é um ser político, está dotado do poder da fala" (ARENDT, 1988:15). Otoni procurou aproximar-se dos indígenas usando não a violência, mas sim "meios de conferência", "convencê-los através do discurso", "pegando-lhes pela palavra", chamando-os à convivência". Configura-se nesse momento, a tentativa de uma nova organização da vida em comum, fundamentada na liberdade do falar um com o outro, na tentativa de trocar opiniões entre pares sobre alguma coisa, na possibilidade de tornar públicos os diversos pontos de vista (STARLING, 1994: 65).
Havia na argumentação "otoniana", um paralelo implícito entre a brutalidade, barbaridade e atrocidades cometidas pelos cristãos e civilizadores em relação aos índios, e a tirania, violência, arbitrariedade, obscurantismo e ausência de leis da monarquia do Império brasileiro (DUARTE, 2002:31-32). "Onde quer que a violência domine de forma absoluta [...] não apenas a lei [...] mas tudo e todos devem permanecer em silêncio. É em virtude desse silêncio que a violência é um fenômeno marginal no campo político; pois o homem na medida em que é um ser político, está dotado do poder da fala" (ARENDT, 1988:15). Otoni procurou aproximar-se dos indígenas usando não a violência, mas sim "meios de conferência", "convencê-los através do discurso", "pegando-lhes pela palavra", chamando-os à convivência". Configura-se nesse momento, a tentativa de uma nova organização da vida em comum, fundamentada na liberdade do falar um com o outro, na tentativa de trocar opiniões entre pares sobre alguma coisa, na possibilidade de tornar públicos os diversos pontos de vista (STARLING, 1994: 65).
BIBLIOGRAFIA
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_____O aventureiro da Filadélfia: Theófilo Ottoni e a conquista do vale do Mucuri. In: Revista Locus. V. 4. N 2. 1998.
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OTONI, Teófilo. "Circular " dedicada aos Srs. Eleitores e Senadores pela província de Minas Gerais. in: MIRANDA, Aluízio Ribeiro. Serro: três séculos de história. 1972.
____. Notícia sobre os selvagens do Mucuri. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.
____. Discursos Parlamentares. Brasília. Câmara dos Deputados. 1979.
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_____ Visionários: a imaginação republicana na Minas setecentista. In: Revista USP . N 22. São Paulo. USP. Set/ out/ nov 1994. 54-71.
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